19 de fevereiro de 2023

Com Lídia, à Beira do Rio


 Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.


Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)

.

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida

Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,

Mais longe que os deuses.

.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.

Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.

Mais vale saber passar silenciosamente

E sem desassossegos grandes.

.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,

Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,

Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,

E sempre iria ter ao mar.

.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,

Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

Ouvindo correr o rio e vendo-o.

.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as

No colo, e que o seu perfume suavize o momento -

Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,

Pagãos inocentes da decadência.

.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois

Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,

Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos

Nem fomos mais do que crianças.

.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,

Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.

Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,

Pagã triste e com flores no regaço.


Ricardo Reis 

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