20 de junho de 2023

Narciso (poema)

 




Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,

Dobrado em dois sobre o meu próprio poço...

Ah, que terrível face e que arcabouço

Este meu corpo lânguido escondia!

 

Ó boca tumular, cerrada e fria,

Cujo silêncio esfíngico bem ouço!

Ó lindos olhos sôfregos, de moço,

Numa fronte a suar melancolia!

 

Assim me desejei nestas imagens.

Meus poemas requintados e selvagens,

O meu Desejo os sulca de vermelho:

 

Que eu vivo à espera dessa noite estranha,

Noite de amor em que me goze e tenha,

.... Lá no fundo do poço em que me espelho!

 

José Régio, “Narciso”, Biografia. Lisboa

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