28 de janeiro de 2024

Fonte (poesia)



 


Ela é a fonte. Eu posso saber que é

a grande fonte

em que todos pensaram. Quando no campo

se procurava o trevo, ou em silêncio

se esperava a noite,

ou se ouvia algures na paz da terra

o urdir do tempo —

cada um pensava na fonte. Era um manar

secreto e pacífico.

Uma coisa milagrosa que acontecia

ocultamente.


Ninguém falava dela, porque

era imensa. Mas todos a sabiam

como a teta. Como o odre.

Algo sorria dentro de nós.


Minhas irmãs faziam-se mulheres

suavemente. Meu pai lia.

Sorria dentro de mim uma aceitação

do trevo, uma descoberta muito casta.

Era a fonte.


Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.

A lua formava-se

com uma ponta subtil de ferocidade,

e a maçã tomava um princípio

de esplendor.


Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento

perdeu-se e renasceu.

Hoje sei permanentemente que ela

é a fonte.


Herberto Hélder 




Sem comentários:

Enviar um comentário