29 de fevereiro de 2024

O nome do cão (poema)

 






O cão tinha um nome

por que o chamávamos

e por que respondia,

mas qual seria

o seu nome

só o cão obscuramente sabia.

Olhava-nos com uns olhos que havia

nos seus olhos

mas não se via o que ele via,

nem se nos via e nos reconhecia

de algum modo essencial

que nos escapava

ou se via o que de nós passava

e não o que permanecia,

o mistério que nos esclarecia.

Onde nós não alcançávamos

dentro de nós

o cão ia.

E aí adormecia

dum sono sem remorsos

e sem melancolia.

Então sonhava

o sonho sólido em que existia.

E não compreendia.

Um dia chamámos pelo cão e ele não estava

onde sempre estivera:

na sua exclusiva vida.

Alguém o chamara por outro nome,

um absoluto nome,

de muito longe.

E o cão partira

ao encontro desse nome

como chegara: só.

E a mãe enterrou-o

sob a buganvília

dizendo: "É a vida..."


Manuel António Pina 

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