21 de maio de 2024

Lutador, íntegro, exemplar

 Os meus heróis


Prezo os símbolos, o rasto e os sinais da minha nostalgia portuguesa. 

Mas os meus heróis verdadeiros não vêm na história, 

não têm monumentos nas praças domingueiras nem dias feriados a lembrar-lhes o nome,

são heróis dos dias úteis da semana levantam-se antes do sol e recolhem apenas quando a noite se fecha nos seus olhos, 

lavram a terra, o mar, e são jograis colhendo a virgindade púdica da vida, sobem aos andaimes, descem às minas e comem entre dois apitos compulsivos um caldo de lágrimas antigas, 

são os construtores do meu país à espera, mouros no trabalho e cristãos na esperança famintos do futuro, 

como se a madrugada fosse a seara imensa apetecida onde o sol desponta nas espigas sobre o casto silêncio da montanha.


António Arnaut

em "Recolha poética (1954-2004), Coimbra Editora

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