27 de maio de 2024

O que cabe no poema



























O preço do feijão não cabe no poema.

O preço do arroz não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás a luz o telefone

a sonegação

do leite

da carne

do açúcar

do pão


O funcionário público

não cabe no poema

com seu salário de fome sua vida

fechada em arquivos.


Como não cabe no poema o operário

que esmerila seu dia de aço e carvão

nas oficinas escuras

porque o poema, senhores, 

está fechado: "não há vagas"


Só cabe no poema

o homem sem estômago 

a mulher de nuvens

a fruta sem preço


    O poema, senhores, 

    não fede nem cheira.


Ferreira Gullar

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