28 de julho de 2024

O MELRO (poesia)

 


O melro, eu conheci-o:

Era negro, vibrante, luzidio,

Madrugador, jovial;

Logo de manhã cedo

Começava a soltar, dentre o arvoredo,

Verdadeiras risadas de cristal.

E assim que o padre-cura abria a porta

Que dá para o passal,

Repicando umas finas ironias,

O melro; dentre a horta,

Dizia-lhe: "Bons dias!"

E o velho padre-cura

não gostava daquelas cortesias.


O cura era um velhote conservado,

Malicioso, alegre, prazenteiro;

Não tinha pombas brancas no telhado,

Nem rosas no canteiro:

Andava às lebres pelo monte, a pé,

Livre de reumatismos,

Graças a Deus, e graças a Noé.

O melro desprezava os exorcismos

Que o padre lhe dizia:

Cantava, assobiava alegremente;

Até que ultimamente

O velho disse um dia:


"Nada, já não tem jeito!, este ladrão

Dá cabo dos trigais!

Qual seria a razão

Por que Deus fez os melros e os pardais?!"

   (...)


GUERRA JUNQUEIRO

A Velhice do Padre Eterno

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