10 de novembro de 2024

ainda amo as rosas Mãe

 


***

Se soubesses como ainda amo as rosas, 

talvez não enchesses as horas de pesadelos.


Mas tu esqueceste muita coisa; 

esqueceste que as minhas pernas cresceram,

que todo o meu corpo cresceu, 

e até o meu coração ficou enorme, mãe!


Olha queres ouvir-me? 

às vezes ainda sou o menino 

que adormeceu nos teus olhos;


ainda aperto contra o coração 

rosas tão brancas como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz: 

Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal...


Mas tu sabes a noite é enorme, 

e todo o meu corpo cresceu. 

Eu saí da moldura, 

dei às aves os meus olhos a beber,


Não me esqueci de nada, mãe. 

Guardo a tua voz dentro de mim. 

E deixo-te as rosas.


Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade, 

in "Os Amantes Sem Dinheiro"

Sem comentários:

Enviar um comentário