4 de novembro de 2024

Desfazer-se (crónica)

Porque aquilo que fui não volta, o que amei já se apagou, o que vivi morreu comigo, no meu coração devagar.

A idade vai-me levando as árvores, os frutos, a luz das manhãs, e só recordo fragmentos soltos, pequenos bocados de cores, a algazarra da gente, o fulgor do rio, os telhados brancos como leite. Sinto-me agora um estranho na cidade onde nasci, onde cada rua me traz um rosto que já não reconheço.

E enquanto vou caminhando, a minha vida é um livro aberto a desfazer-se em páginas brancas.


António Lobo Antunes

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