29 de maio de 2025

Poema da terra adubada



Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.

Por detrás das árvores escondem-se os soldados

com granadas de mão.


As árvores são belas com os troncos dourados.

São boas e largas para esconder soldados.


Não é o vento que rumoreja nas folhas,

não é o vento, não.

São os corpos dos soldados rastejando no chão.


O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.

É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.


As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.

É o sangue dos soldados que está vertido no chão.


Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.

São os silvos das balas cortando a espessura do ar.


Depois os lavradores

rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,

e a terra dará vinho e pão e flores

adubada com os corpos dos soldados.


António Gedeão, 

in 'Linhas de Força'

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