6 de março de 2024

Buganvília (poema)


Algum dia o poema será a buganvília

pendente deste muro da Calçada da Graça.

Produz uma semente que faz esquecer os jornais, o emprego e a família,

e além disso tudo atapeta o passeio alegrando quem passa.

Mas antes desse dia há‑de secar a buganvília

e o varredor há‑de levar as flores secas para o monturo.

Depois cairá o muro.

E como o tempo passa

mesmo contra vontade,

também há-de acabar a Calçada da Graça

e o resto da cidade.

Então, quando nada restar, nem o pó de um sorriso

que é o mais leve de tudo que se pode supor,

será esse o momento de o poema ser flor,

mas já não é preciso.


António Gedeão 


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Hoje, prefiro cantar as coisas simples, as que

crescem depressa, como os ciprestes, ou as

que se enrolam a tudo o que aparece nos muros

como as buganvílias. Através delas, vejo o céu

que me traz outras coisas, mais complicadas

dos que estas da terra; e também no céu

escolho, hoje, o que não é difícil, a nuvem

que há pouco parecia eterna e desapareceu;

ou um branco sujo que apagou o horizonte,

por algum tempo, e fez com que todo o

universo ficasse ao meu alcance 

para nada.

...

Nuno Júdice 



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