16 de setembro de 2024
Opiniões
No Observador
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15 de setembro de 2024
Já não há domingos
Todas as vidas gastei para morrer contigo.
E agora esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo para além da curva do rio.
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
nem o enfim de um fim.
Todas as mortes gastei
não há poente para viver contigo.
Mia Couto
in Idades Cidades Divindades
Que saudades
Havia plantas destas na entrada, na casa de meus pais. Que belas e bem cuidadas eram.
Tinha orgulho disso, minha Mãe.
Chuva de prata e avenca. Mas havia também coração de cera, alegria da casa e espargo.
Entre flores murchas
Ficarei deitada entre flores murchas e molhadas
como o pássaro que ignora estar caído e morto
sobre pedras íntimas escorregadias de sal
no chão de tábuas de um quarto crepuscular
ou sobre as lajes nuas de uma praça onde se nasce e morre sem pausa e sem dor.
Será talvez assim numa praça que não se atravesse nunca vagamente
por estar finalmente a cumprir-se o oráculo
ao dormir amante sobre o ventre de mãe
da única alva de amor partilhada
com cordas de chuva a rasgarem-me o dorso
e a mesma violência de ritmo bendito com que me empurraste contra as tábuas da barcaça
há quatro séculos e um dia em Bruges. Era Setembro tanto faz.
Ana Margarida Falcão
Opiniões
No Observador
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Este Portugal de impostos máximos, serviços mínimos e funcionários em crescendo mas que estão sempre em falta ficou escancarado em Vale de Judeus. | |||||||||
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Podemos não querer a exigência a que obriga um país mais produtivo e mais rico. Mas a saída de tantos portugueses que não conseguem um ordenado suficiente para uma vida razoável devia fazer-nos pensar | |||||||||
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Uma conversa não é boa só por ser conversa: há aquelas em que se mete um fim e é uma bênção. | |||||||||
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Somos frequentemente atormentados pela ideia de resolver problemas de cima a baixo. A mesma atracção neurótica leva-nos a decidir no alto mar substituir todas as tábuas do casco ao mesmo tempo. |
Questionar
14 de setembro de 2024
sou tantas
Eu triste sou calada
Eu brava sou estúpida
Eu lúcida sou chata
Eu gata sou esperta
Eu cega sou vidente
Eu carente sou insana
Eu malandra sou fresca
Eu seca sou vazia
Eu fria sou distante
Eu quente sou oleosa
Eu prosa sou tantas
Eu santa sou gelada
Eu salgada sou crua
Eu pura sou tentada
Eu sentada sou alta
Eu jovem sou donzela
Eu bela sou fútil
Eu útil sou boa
Eu à toa sou tua.
Martha Medeiros
Contemplar um musgo
Quer eu contemple um musgo, um cristal, uma flor, um escaravelho dourado; ou o céu povoado de nuvens, o mar com os contornos desprotegidos de suas dunas gigantescas, uma borboleta com suas nervuras de cristal, o recorte e as coloridas pinceladas de suas asas, e os arabescos e os desenhos ornamentais, e as doces, fascinantes, infinitas, palpitantes cores, ora fortes, ora suaves; — sempre que com os olhos ou qualquer sentido corporal contemplo uma parcela da natureza, todo absorto e magnetizado pela sua magia, e, por um momento, me entrego ao seu ser e à sua gratificante revelação; acontece então que, neste exacto momento, esqueço e afasto de mim todo o mundo cheio de cegueira e cobiça da miséria humana; e longe de pensar ou de dar ordens, em vez de acumular ou de guardar para mim, em vez de lutar ou de reorganizar, outra coisa não faço, naquela hora, senão “deslumbrar-me!’, como Goethe. E com este deslumbramento não me torno apenas irmão de Goethe e de todos os outros poetas e sábios. Não, sou também o irmão de tudo aquilo ante o qual me deslumbro, de tudo quanto experimento como um mundo vivo e palpitante: irmão da borboleta, do escaravelho, da nuvem, do rio, da montanha. Pois, por um instante, pela via do deslumbramento, vou-me afastando do mundo das separações, para penetrar no mundo da unidade, onde uma simples coisa ou criatura se volta para a outra e sussurra: “Isto és Tu”.
Hermann Hesse
Quase desconhecido
No ano passado (dia 29 de setembro), em Guimarães, no Arquivo Municipal, os vimaranenses tiveram a oportunidade de mergulhar no mundo literário de Guilherme de Faria com o lançamento do primeiro volume da coleção intitulada "Guilherme de Faria: Poesia".
Oração a Santo António de Lisboa, vendida a favor da associação "Florinhas da Rua":
Ó Santo que és dos maiores
De Deus na graça eternal
Cobre de bênção e flores
A Terra de Portugal!
Há tanto que já sofremos
Da sorte o duro revés,
E em miséria nos perdemos,
Santo António português!
O Reino que te foi berço,
- Reino de Santa Isabel -
Em sombras triste imerso,
Num cativeiro cruel!
Ó Santo, que a luz dos céus
Doire as almas portuguesas
Que, em sonhos maus e em tristezas,
Andam perdidas de Deus!
Que a luz do amor que trespassa
As almas dos pecadores
Para as subir, redivivas,
Ao esplendor da eterna graça,
Desça, em mil bênçãos e em flores
De formosura imortal,
Às nossas almas cativas
Na Terra de Portugal!
Guilherme de Faria
Opiniões
No Observador
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Agimos como seres impolutos, olhamos com condescendência para os mais fracos, invocamos a seleção natural e esquecemo- -nos de que nunca existiu, nem é suposto existir, vida sem erro. |
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Na audição à procuradora- -geral, os deputados só se preocuparam com matérias que incomodam políticos sob investigação. Já terão ouvido falar em assassinatos, em agressões ou em tráfico de droga? | |||||||||
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O que está em curso é um curioso processo de regressão civilizacional, que a retirada dos telemóveis das escolas talvez atrase em cinco minutos. | |||||||||
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Apesar de tudo, não parece que o debate tenha tido grande efeito sobre o eleitorado, mantendo-se os candidatos muito próximos, quer na totalidade da massa eleitoral, quer nos Estados decisivos. |