14 de setembro de 2024

Contemplar um musgo

Quer eu contemple um musgo, um cristal, uma flor, um escaravelho dourado; ou o céu povoado de nuvens, o mar com os contornos desprotegidos de suas dunas gigantescas, uma borboleta com suas nervuras de cristal, o recorte e as coloridas pinceladas de suas asas, e os arabescos e os desenhos ornamentais, e as doces, fascinantes, infinitas, palpitantes cores, ora fortes, ora suaves; — sempre que com os olhos ou qualquer sentido corporal contemplo uma parcela da natureza, todo absorto e magnetizado pela sua magia, e, por um momento, me entrego ao seu ser e à sua gratificante revelação; acontece então que, neste exacto momento, esqueço e afasto de mim todo o mundo cheio de cegueira e cobiça da miséria humana; e longe de pensar ou de dar ordens, em vez de acumular ou de guardar para mim, em vez de lutar ou de reorganizar, outra coisa não faço, naquela hora, senão “deslumbrar-me!’, como Goethe. E com este deslumbramento não me torno apenas irmão de Goethe e de todos os outros poetas e sábios. Não, sou também o irmão de tudo aquilo ante o qual me deslumbro, de tudo quanto experimento como um mundo vivo e palpitante: irmão da borboleta, do escaravelho, da nuvem, do rio, da montanha. Pois, por um instante, pela via do deslumbramento, vou-me afastando do mundo das separações, para penetrar no mundo da unidade, onde uma simples coisa ou criatura se volta para a outra e sussurra: “Isto és Tu”.

Hermann Hesse

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