Esta manhã que entra pela janela,
com o frio que sobrou da noite
e o cinzento que vai ficar para o dia,
é fabricada com pedaços de tempo,
restos de cor, estilhaços de memória,
que vou colando na superfície branca da alma.
Por vezes, um pássaro esquecido do verão
entra pela sala vazia, agita o espaço abstracto
com o seu voo inquieto, acordando a música
que um tecto de nuvens sufoca
e leva consigo a perfeição do instante
que as suas asas inventam.
Comparo o pássaro e a manhã,
sabendo que a tarde me irá cobrir
com a sua túnica de sombra;
e colo aos ombros a luz
que essa imagem me abre,
tão breve como um rosa matinal
que o outono colhe no caule do amor.
Nuno Júdice,
in "O Fruto da Gramática"
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