23 de março de 2023

Calçada de Carriche

 Luísa sobe, sobe a calçada,

sobe e não pode que vai cansada.

Sobe, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.

Anda, Luísa. Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.


Passam magalas,

rapaziada,

palpam-lhe as coxas

não dá por nada.


Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.


Chegou a casa

não disse nada.

Pegou na filha,

deu-lhe a mamada;

bebeu a sopa

numa golada;

lavou a loiça,

varreu a escada;

deu jeito à casa

desarranjada;

coseu a roupa

já remendada;

despiu-se à pressa,

desinteressada;

caiu na cama

de uma assentada;

chegou o homem,

viu-a deitada;

serviu-se dela,

não deu por nada.


Anda, Luísa. Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.


Na manhã débil,

sem alvorada,

salta da cama,

desembestada;

puxa da filha,

dá-lhe a mamada;

veste-se à pressa,

desengonçada;

anda, ciranda,

desaustinada;

range o soalho

a cada passada,

salta para a rua,

corre açodada,

galga o passeio,

desce o passeio,

desce a calçada,

chega à oficina

à hora marcada,

puxa que puxa, larga que larga,

toca a sineta

na hora aprazada,

corre à cantina,

volta à toada,

puxa que puxa, larga que larga,


Regressa a casa

é já noite fechada.

Luísa arqueja

pela calçada.


Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada, 


Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada

"""""""""

ANTÓNIO GEDEÃO 

Sem comentários: