21 de março de 2023

Dia Mundial da Poesia

Vieste como um barco carregado de vento, abrindo

feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o 

vaivém dos barcos. Dizem-me os seus passos

que vale a pena esperar, porque as ondas acabam sempre por quebrar-se junto das margens. 

Mas eu sei que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde para quase tudo. Por isso, vou para casa e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.

Maria do Rosário Pedreira, ‘O Canto do Vento nos Ciprestes’

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