17 de setembro de 2024

PARTIR (F. PESSOA)




















***

O comboio já partiu da outra estação...

Adeus, adeus, adeus, toda a gente que não veio despedir-se de mim,

Minha família abstrata e impossível...

Adeus dia de hoje, adeus apeadeiro de hoje, adeus vida, adeus vida!

Ficar como um volume rotulado esquecido,

Ao canto do resguardo de passageiros do outro lado da linha.

Ser encontrado pelo guarda casual depois da partida —

"E esta? Então não houve um tipo que deixou isto aqui?" —

Ficar só a pensar em partir,

Ficar e ter razão,

Ficar e morrer menos...


Vou para o futuro como para um exame difícil.

Se o comboio nunca chegasse e Deus tivesse pena de mim?


Já me vejo na estação até aqui simples metáfora.

Sou uma pessoa perfeitamente apresentável.

Vê-se — dizem — que tenho vivido no estrangeiro.


Os meus modos são de homem educado, evidentemente.

Pego na mala, rejeitando o moço, como a um vicio vil.

E a mão com que pego na mala treme-me e a ela.


Partir!

Nunca voltarei,

Nunca voltarei porque nunca se volta.

O lugar a que se volta é sempre outro,

A gare a que se volta é outra.

Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.


Partir! Meu Deus, partir! Tenho medo de partir!...


Álvaro de Campos, in "Poemas"

Heterónimo de Fernando Pessoa

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