30 de março de 2024

orvalho matinal dos cardos










Começo a dar-me conta: a mão

que escreve os versos

envelheceu. Deixou de amar as areias

das dunas, as tardes de chuva

miúda, o orvalho matinal

dos cardos. Prefere agora as sílabas

da sua aflição.

Sempre trabalhou mais que sua irmã,

um pouco mimada, um pouco

preguiçosa, mais bonita.

A si coube sempre

a tarefa mais dura: semear, colher,

coser, esfregar. Mas também

acariciar, é certo. A exigência,

o rigor, acabaram por fatigá-la.

O fim não pode tardar: oxalá

tenha em conta a sua nobreza.


Eugénio de Andrade 


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