4 de junho de 2024

O passeio de Santo António










Saíra Santo António do convento, 

A dar o seu passeio costumado 

E a decorar, num tom rezado e lento, 

Um cândido sermão sobre o pecado.


Andando, andando sempre, repetia 

O divino sermão piedoso e brando, 

E nem notou que a tarde esmorecia, 

Que vinha a noite plácida baixando...


E andando, andando, viu-se num outeiro, 

Com árvores e casas espalhadas, 

Que ficava distante do mosteiro 

Uma légua das fartas, das puxadas.


Surpreendido por se ver tão longe, 

E fraco por haver andado tanto, 

Sentou-se a descansar o bom do monge, 

Com a resignação de quem é santo...


O luar, um luar claríssimo nasceu. 

Num raio dessa linda claridade, 

O Menino Jesus baixou do céu, 

Pôs-se a brincar com o capuz do frade.


Perto, uma bica de água murmurante 

Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais. 

Os rouxinóis ouviam-se distante. 

O luar, mais alto, iluminava mais.


De braço dado, para a fonte, vinha 

Um par de noivos todo satisfeito. 

Ela trazia ao ombro a cantarinha, 

Ele trazia... o coração no peito.


Sem suspeitarem de que alguém os visse,

Trocaram beijos ao luar tranquilo. 

O Menino, porém, ouviu e disse: 

- Ó Frei António, o que foi aquilo?...


O Santo, erguendo a manga de burel 

Para tapar o noivo e a namorada, 

Mentiu numa voz doce como o mel: 

- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada...


Uma risada límpida, sonora, 

Vibrou em notas de oiro no caminho. 

- Ouviste, Frei António? Ouviste agora? 

- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.


- Tu não estás com a cabeça boa... 

Um passarinho a cantar assim!... 

E o pobre Santo António de Lisboa 

Calou-se embaraçado, mas por fim,


Corado como as vestes dos cardeais, 

Achou esta saída redentora: 

- Se o Menino Jesus pergunta mais, 

Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!


Voltando-lhe a carinha contra a luz

E contra aquele amor sem casamento, 

Pegou-lhe ao colo e acrescentou: 

- Jesus, São horas...

E abalaram pró convento.


Augusto Gil

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