15 de setembro de 2024

Já não há domingos



Já não há domingos

Todas as vidas gastei para morrer contigo.

E agora esfumou-se o tempo 

e perdi o teu passo para além da curva do rio.


Rasguei as cartas.

Em vão: o papel restou intacto.

Só os meus dedos murcharam, decepados.


Queimei as fotos.

Em vão: as imagens restaram incólumes

e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.


Com que roupa

vestirei minha alma

agora que já não há domingos?


Quero morrer, não consigo.

Depois de te viver

nem o enfim de um fim. 

Todas as mortes gastei

não há poente para viver contigo.


Mia Couto


in Idades Cidades Divindades

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