Dizem que toda a comédia é uma tragédia a uma distância segura. Talvez por isso nos tenhamos rido – em ecrãs pequenos e com grande convicção – quando dois adultos, casados mas não entre si, foram apanhados num abraço durante um concerto dos Coldplay. A câmara focou-os. Sorriram. Recuaram, fugiram. Chris Martin, atento à coreografia, comentou: “Ou estão a ter um caso, ou…”
A partir daí, o que acontece já não pertence a ninguém. O vídeo circulou. O nome do CEO entrou nas pesquisas. Demitiu-se. A diretora desapareceu do organograma. A empresa publicou um comunicado. O gesto transformou-se em dado. Depois em narrativa. Depois em conteúdo. E assim terminou o episódio, mas começou o fenómeno.
A vergonha é mais antiga que o código civil, mais profunda que a religião, mais rápida do que o direito. É um reflexo social que serve, há séculos, para polir o comportamento social. Não exige castigo formal, porque o desconforto, o rubor, o olhar desviado, bastam. Diz-se que é um mecanismo de pertença e de regulação, um instinto coletivo para manter o grupo coeso. Que evoluiu, como a dor, para proteger. Mas é também um reflexo. E um reflexo nem sempre sabe o que está a fazer.
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