31 de julho de 2024
Enlevo, é o que me despertam
Não brilha o sol,
Nem póde a lua
Brilhar na sua
Presença d'ella!..
Nenhuma estrella
Brilha deante
Da minha amante,
Da minha amada!
A madrugada
Quanto não perde!
O campo verde
Quanto esmorece!
Quanto parece
A voz da ave
Menos suave
Que a sua falla!
.........
Nunca do fundo
Do oceano
Foi braço humano
Colher tão linda
Perola ainda,
Como a formosa
Candida rosa
Que eu amo tanto!
Não sei de santo
Que ha no seu gesto!
No ar modesto
D'aquelle todo...
N'aquelle modo...
Que tudo esquece,
E nos parece
Estar no céo!
João de Deus,
in 'Ramo de Flores'
********
Enlevo, é o que me despertam certas imagens. Felizes os que mantêm a chama acesa por toda a vida.
Um outono quente à espera
Com um outono quente à espera, desejo-lhe, caríssimo leitor, um verão o mais sereno possível, sendo certo que a 'estação palerma' (a 'silly season' ou 'o buraco de verão' como lhe chamam os alemães) não será, desta vez, um vazio de notícias. Há que seguir a coragem da Venezuela na rua contra a vergonhosa ditadura de Maduro. Há o furacão Kamala Harris que deixou Trump atarantado. Há Macron a cozinhar uma solução para a França no arame. Há o entalanço dos Açores, onde Montenegro tem que dizer 'não é não' a excluir filhos de desempregados das creches. E há um país a vomitar turistas.
...
Ângela Silva
EXPRESSO
Há comunistas & comunistas
O Partido Comunista da Venezuela, o primeiro partido a declarar, em 1998, o apoio à candidatura à Presidência de Hugo Chávez, cuja eleição mudaria radicalmente a vida do país, comunicou segunda-feira que, “assim como o Governo de Nicolás Maduro privou o povo venezuelano dos seus direitos sociais e económicos, hoje pretende privá-lo dos seus direitos democráticos” e exigiu “que a CNE publique todos os registos de votação - conforme estabelecido pelo regulamento eleitoral - bem como a máxima transparência no escrutínio dos resultados.”
Pedro Tadeu, jornalista
[Os comunistas portugueses vêem com outros olhos].
Diário de Notícias. Artigo completo 👈👈
********
Partido Comunista Venezuelano critica apoio do PCP a Maduro: "Acham que conhecem o país melhor do que nós?"
O secretário-geral do Partido Comunista Venezuelano mostra-se incomodado com o apoio do PCP a Maduro: "Sabem como os trabalhadores e sindicalistas que reclamam os seus direitos são presos?"
Opiniões
No Observador
| ||||||
| ||||||
| ||||||
|
Ary dos Santos, poeta grande
Esta palavra saudade
sete letras de ternura
sete letras de ansiedade
e outras tantas de aventura.
Esta palavra saudade
a mais bela e mais pura
sete letras de verdade
e outras tantas de loucura.
Sete pedras, sete cardos,
sete facas e punhais
sete beijos que são nardos
sete pecados mortais.
Esta palavra saudade
dói no corpo devagar
quando a gente se levanta
fica na cama a chorar.
Esta palavra saudade
sabe a sumo de limão
tem o travo de amargura
que nasceu do coração.
Ai! palavra amarga e doce
estrangulada na garganta
palavra como se fosse
o silêncio que se canta.
Meu cavalo imenso e louco
a galopar na distância
entre o muito e entre o pouco
que me afasta da infância.
Esta palavra saudade
é a mais prenha de pranto
como um filho que nascesse
por termos sofrido tanto.
Por termos sofrido tanto
é que a saudade está viva
são sete letras de encanto
sete letras por enquanto
enquanto a gente for viva.
Esta palavra saudade
sabe ao gosto das amoras
cada vez que tu não vens
cada vez que tu demoras.
Ai! palavra amarga e doce
debruçada na idade
palavra como se fosse
um resto de mocidade.
Marcada por sete letras
a ferro e a fogo no tempo
Ai! palavra dos poetas
que a disparam contra o vento.
Esta palavra saudade
dói no corpo devagar
quando a gente se levanta
fica na cama a chorar.
Por termos sofrido tanto
é que a saudade está viva
são sete letras de encanto
sete letras por enquanto
enquanto a gente for viva.
in "As Palavras das Cantigas
A quatro mãos
Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério
A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.
Lya Luft
Os hábitos
Os nossos hábitos estão agarrados à pele.
30 de julho de 2024
Canção de Maria Bethânia
Porque foste na vida
A última esperança
Encontrar-te me fez criança
Porque já eras meu
Sem eu saber sequer
Porque és o meu homem
E eu tua mulher
Porque tu me chegaste
Sem me dizer que vinhas
E tuas mãos foram minhas com calma
Porque foste em minh'alma
Como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser
O Careto sauda a Volta
A etapa de hoje da Volta (ciclismo) vai terminar em Bragança, com passagem por Podence.
E lá estava o Careto, na beira da estrada, a saudar os ciclistas. 👏
Os Caretos de Podence são originários da aldeia de Podence, no concelho de Macedo de Cavaleiros. Foram declarados Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO a 12 de Dezembro de 2019.
Amigos, preciosidades
O Dia Internacional da Amizade celebra-se anualmente a 30 de julho, para dignificar o papel que a amizade detém na concretização dos valores de paz, segurança, desenvolvimento e harmonia social entre os povos.
Canção das mulheres
Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco – em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa – uma mulher.
Lya Luft
No teu poema
No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha.
No teu poema
Existe um cantochão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
***
Ary dos Santos
Se alguém perguntar (poesia)
Poetisa da grande solidão
Se um dia alguém perguntar
Quem sou eu, não diga nada
Ou diga apenas que eu sou
O silêncio da madrugada
Ou diga que sou a brisa
Que nunca ninguém sentiu
Diga que sou uma canção
Que nunca ninguém ouviu
Diga que eu sou uma flor
Em que ninguém reparou
Diga que sou o ardente sol
De que ninguém sentiu o calor
Diga que sou brilhante lua
De que ninguém viu o brilho
Diga que sou uma sereia
De que ninguém ouviu o canto
Diga que sou o grão de areia
Que nunca ninguém pisou
Diga que sou uma princesa
Que o seu príncipe nunca achou
Diga que sou um poema
Que ninguém interpretou
Sou aquela que na multidão
Sempre sentiu solidão
Autoria desconhecida
Cantares do Alentejo
Acabou-se o tabaco
E o trigo que eu hoje entarro
Fumando dá mais um saco
Canta o melro no silvado
E o rouxinol na ribeira
Ó minha pombinha branca
Quero ir à tua beira
Quero ir à tua beira
Quero viver a teu lado
Rola o pombo na azinheira
Canta o pardal no telhado
Se a morte fosse interesseira
Ai de nós o que seria
O rico comprava a morte
Só o pobre é que morria.
Opiniões
No Observador
| ||||||
| ||||||
|
29 de julho de 2024
Ver os ipês
"Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
William Blake sabia disso e afirmou:
"A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Escuto (poesia)
Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou Deus
Escuto sem saber se estou ouvindo
O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita
Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco
Sophia de Mello Breyner Andresen
em "Geografia"
[Este é o post nr. 5000]