INVOCAÇÃO
"Que sabem os pássaros do outono que chega, com o seu fundo de nuvens, derramando o cinzento sobre o céu da memória? Ouço-os, de madrugada, anunciando a partida, e vejo o horizonte encher-se com a sua migração, levando para algures a nostalgia do estio. Sigo-os com os olhos; e o tempo que me deixam esvazia-se de música, como se o silêncio não tivesse o seu ruído imenso, e uma vibração de nada não me trouxesse aos ouvidos o seu eco, roubado a um poço fechado numa infância distante.
Quantas vezes me avisaram, esses pássaros, do que estava para vir? Li no seu peito aberto um futuro branco; e enchi-lhes de sombra as entranhas para que, onde houve um coração, a vida ainda pulsasse, mesmo que não fosse mais do que o desenho pálido de um ser antigo.
Mas é no presente que o seu canto me toca; e dou- Ihes, no abrigo da estrofe, um ninho de palavras onde o seu sono se recolha do inverno, e os seus olhos fechados guardem a imagem do azul, o desejo do voo, e um restolhar de folhas no vento da tarde."
Nuno Júdice
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