9 de agosto de 2024

Água (poesia)

 









Água, feita de volubilidade

mãe das nuvens e do barro.

posso senti-la discreta

transparente inevitável.


Prisioneira gelada

dos refrigeradores,

vago itinerário dos peixes,

húmido túmulo dos detritos

que os homens repudiaram.


Feita de angústia,

saíste dos olhos

para a estrada áspera

das rugas.


Ergues tua bandeira vermelha

no peito dos apunhalados.


Água,

hei-de beber-te comovido

na inodora volúpia

da tua acomodada transparência.

Embebes de esquecimento

os suicidas.


Tuas mãos rudes

agarram os continentes,

dissolvem os náufragos,

projectam no céu

os velames e as quilhas.

Bojo surdo e verde

cofre de algas e flibusteiros,

bactérias e diamantes.


Quero-te agora

inerte de presságios,

mera adolescente

nascida na terra,

filha perdida do azul.


André Carneiro 

...

Na literatura, ramo ao qual mais se dedicou, tem obras publicadas na Espanha, Argentina, França, Suíça, Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Itália, Bulgária, Suécia, Rússia, Japão, Portugal e Estados Unidos, tendo recebido, entre outras, as seguintes honrarias: Prêmio Machado de Assis, Prêmio Alphonsus de Guimaraens, Pen Club internacional e Prêmio Nestlé. Membro de sociedades artísticas e científicas integra a Parapsychological Association, a Science Fiction and Fantasy Writers of America, e a Academie Ansaldi, de Paris. A partir de 1970, ministra cursos e palestras em universidades e centros culturais no Brasil, Argentina, Cuba, México, Estados Unidos e França.

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