28 de agosto de 2024

Toada de Portalegre (J. Régio)

 


Em Portalegre, cidade 

Do Alto Alentejo, cercada 

De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros 

Morei numa casa velha, 

Velha, grande, tosca e bela 

À qual quis como se fora 

Feita para eu morar nela...


Cheia dos maus e bons cheiros 

Das casas que têm história, 

Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória

De antigas gentes e traças, 

Cheia de sol nas vidraças 

E de escuro nos recantos, 

Cheia de medo e sossego, 

De silêncios e de espantos, 

Quis-lhe bem como se fora 

Tão feita ao gosto de outrora 

Como ao do meu aconchego.


Em Portalegre, cidade 

Do Alto Alentejo, 

cercada De montes e de oliveiras 

Do vento soão queimada, 

(Lá vem o vento soão!, 

Que enche o sono de pavores, 

Faz febre, esfarela os ossos, 

Dói nos peitos sufocados, 

E atira aos desesperados 

A corda com que se enforcam

***

*** 

Vento soão!, obrigado 

Pela doce companhia 

Que em teu hálito empestado, 

Sem eu sonhar, me chegava! 

E a cada raminho novo 

Que a tenra acácia deitava, 

Será loucura!..., mas era 

Uma alegria 

Na longa e negra apatia 

Daquela miséria extrema 

Em que eu vivia, 

E vivera, 

Como se fizera um poema, 

Ou se um filho me nascera.


José Régio

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