1935, o ano em que Fernando Pessoa se tornou imortal
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Pessoa não compareceu, em 21 de fevereiro de 1935, à cerimónia da distribuição dos Prémios Literários, organizada por António Ferro, no Restaurante Tavares, e à qual presidiu Salazar na qualidade de chefe do Governo. Era de prever a ausência. Pessoa era tímido e reservado. Não frequentava acontecimentos mundanos. Mas, no dia seguinte, ao ler os jornais, ficou indignado com algumas passagens do discurso político de Salazar que formalizava os limites exigidos à liberdade de criação intelectual. “Os princípios morais e patrióticos que estão na base deste movimento reformador” — advertiu Salazar — “impõem à atividade mental e às produções da inteligência e sensibilidade dos portugueses certas limitações, e, suponho, deverem mesmo traçar-lhes algumas diretrizes. (…) Neste momento histórico — prosseguiu — em que determinados objetivos foram propostos à vontade nacional, não há remédio senão levar às últimas consequências as bases ideológicas sobre as quais se constrói o novo Portugal.”
A partir desta ameaça direta do chefe do Governo, Pessoa começou a desligar-se de algumas opções que defendera, nomeadamente no ensaio publicado em 1928 “O Interregno, Defesa e Justificação da Ditadura Militar em Portugal”. Em 1935, numa enumeração de obras que havia publicado, referiu que esse opúsculo “deve ser considerado como não existente”. A reação provocada pelas afirmações proferidas por Salazar, na entrega dos prémios literários, ficou, assim, classificada por Pessoa, num texto existente no espólio. “Um discurso que enxovalha todos os escritores portugueses (muitos deles seus superiores intelectuais) com a fútil imposição de ‘diretrizes’ que ninguém lhe pediu e lhe pediria, e que pedidas que fossem, ninguém poderia aceitar porque nem ele sabe dizer o que sejam esse homem, que assim, com uma inabilidade de aldeão letrado, de um só golpe afastou de si o resto da inteligência portuguesa que ainda o olhava com uma benevolência, já um pouco impaciente, e uma tolerância, já vagamente desdenhosa, não tem sequer o prestígio limitado que lhe permita governar uma república aristocrática, a aceitação de uma minoria que, ainda que praticamente inútil, fosse teoricamente inteligente".
Mas Fernando Pessoa passou a ser um antissalazarista confesso. Salazar, sob o ponto de vista humano, intelectual e político, inspirava-lhe desdém.
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