19 de dezembro de 2025

Meninos da roda

José Fonseca Fernandes 

No Expresso 


A semelhança de outros países católicos do sul da Europa, em Portugal, até à segunda metade do século XIX , existia o sistema da roda. Um mecanismo rotativo de madeira colocado numa porta ou janela discreta, por norma, de um hospital ou de uma casa religiosa. Ao rodar, uma sineta tocava para alertar para a chegada de uma nova criança, abandonada de forma anónima. Muitas vezes, a criança vinha acompanhada por uma nota escrita, que podia ser uma medalha, uma mecha de cabelo ou um bilhete cortado ao meio; um sinal que permitiria, em teoria, um dia, recuperar o filho ou a filha, num momento de menor aperto económico ou de posição social. Mas o abandono infantil foi também muitas vezes marcado por razões de ordem moral e religiosa.

Para entender o fenómeno da roda é preciso recuar a um tempo de elevada natalidade e mortalidade, de profundas desigualdades caracterizadas pela ausência do Estado e de medidas de proteção social. Tempos em que os conceitos de família e da infância eram profundamente diferentes dos da atualidade.

Por todo o país existiram rodas. Em Lisboa, foi a Santa Casa da Misericórdia que recebeu a esmagadora maioria dos abandonados – os expostos, como eram chamados. História de superação e de dificuldades económicas que levaram, por exemplo, à criação da lotaria nacional como forma de suprir as necessidades da instituição. ainda hoje uma poderosa metáfora do jogo de sorte e de azar que marcou a vida de muitos dos nossos antepassados.

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