27 de dezembro de 2025

Miguel Sousa Tavares opina

 


Somos um bom exemplo de como a inveja e a mediocridade de muitos, posta ao serviço da maledicência e do bota-abaixo generalizado, acaba por comprometer o destino de todos. Não sei por que intrigante razão os portugueses se convenceram de que são um povo superior que tem a desgraça de ser sempre governado por um bando de malfeitores que só quer o mal do país, enquanto eles dão o litro pela pátria. Não sei por que é assim, mas é: ai do político, do comentador ou do jornalista que se atreva a questionar esta verdade instalada como tal. Mas as consequências são desastrosas e de vária ordem. Em primeiro lugar, crescemos abrigados numa atitude de generalizada irresponsabilidade e impunidade perante os erros cometidos ou mesmo perante coisas mais graves, como a indolência profissional, a indiferença no desempenho do serviço público ou a desonestidade pessoal: se somos sempre mal governados e mal representados a partir de cima, porque haveríamos de ser um exemplo de civismo cá em baixo? Depois, habituá­mo-nos a apaziguar a má consciência (quem a tem) ou a descarregar a inveja sobre os que não ficam parados a ver passar as modas na intriga de café (hoje redes sociais), onde tudo se torna incrivelmente fácil e impune: divulgar mentiras sabidas, lançar calúnias ou tentar destruir reputações alheias, num misto de gozo solitário e fúria justiceira. É o Zé Povinho fazendo o seu manguito, mas só quando o “poderoso” está de costas — essa terrível herança deixada por Bordallo Pinheiro como se de coisa louvável se tratasse. E, enfim, terceira consequência grave desta nossa maneira de ver as coisas, vamos, paulatina e inevitavelmente, afastando os melhores do serviço do país e da política. Sendo todos corruptos, como julga o povo e insinua André Ventura, os políticos devem ser mal pagos, mal considerados e maltratados. E cada vez mais à medida que, de facto e por isso mesmo, se vão instalando na política, não os mais sérios, os mais idealistas ou os mais bem preparados, mas apenas os que não sabem fazer mais nada.

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No Expresso 

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