6 de dezembro de 2022

Os adoentados

 Opinião 

O ESTATUTO DO ADOENTADO


No caso do indígena português médio, o termo “adoentado” é mesmo um adjetivo. Representa, certeiramente, a típica ambiguidade portuguesa. Junta-lhe a necessária pitada de autopiedade. Acrescenta-lhe a vontade de não fazer nada. E dá-lhe uma boa desculpa para isso. Estar “adoentado” não é bem o mesmo que estar doente. É uma espécie de atitude. A palavra, completamente “tuga”, é um achado linguístico: não obriga a assumir um estado totalmente inoperacional, mas é o suficiente para que nos possamos queixar. E pedir que nos deem o desconto. E quando não estamos “adoentados”, temos um oposto: “Vamos andando”. Ou melhor, não somos nós, é algo acima de nós: “Vai-se andando”, assim é que é. E neste caso, “andando” é sinónimo de “arrastando”. O português tem, portanto, duas velocidades. 


O “adoentado” move-se ali algures entre o fatalismo muçulmano da alegoria de Eça de Queiroz, n’ Os Maias, e O Medo de Existir, de José Gil. Não estamos doentes: “sentimo-nos adoentados”. Para além dos realmente doentes, é todo um país adoentado que se acumula nas urgências hospitalares, entupindo um sistema que, segundo o ministro da saúde, Manuel Pizarro, não está um caos, “ mas enfrenta algumas dificuldades”. No fundo, é o próprio SNS que, não se encontrando bem doente, se sente adoentado: ainda não caiu da tripeça, mas não se lhe exija muita energia. Com a sua boa dose de "fatalismo muçulmano", o ministro diz que o problema “é crónico” e que se trata de fruta da época, já que, “nesta altura do ano, é costume as pessoas acorrerem em maior número às urgências”. E lá se vai andando.

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Filipe Luis - Editor Executivo da Visão 





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