9 de agosto de 2024

Poema do futuro

"Conscientemente escrevo e, consciente, medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm, 

deslizam como a água, até que um dia 

um possível leitor pega num livro e lê,

lê displicentemente,

por mero acaso, sem saber porquê.

Lê, e sorri.


Sorri da construção do verso que destoa

no seu diferente ouvido;

sorri dos termos que o poeta usou onde os fungos

do tempo deixaram cheiro a mofo;

e sorri, quase ri, do íntimo sentido, do latejar antigo

daquele corpo imóvel, exhumado da vala do poema.


Na História Natural dos sentimentos 

tudo se transformou.

O amor tem outras falas,

a dor outras arestas,

a esperança outros disfarces,

a raiva outros esgares.


Estendido sobre a página, 

exposto e descoberto, exemplar curioso 

de um mundo ultrapassado, 

é tudo quanto fica, é tudo quanto resta

de um ser que entre outros seres 

vagueou sobre a Terra."


António Gedeão

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