22 de novembro de 2025

Ricardo III

 “Um cavalo! Um cavalo! O meu reino por um cavalo!”


Vivemos rodeados de máscaras. O poder tornou-se uma performance visível, repetida, amplificada. Cada discurso, gesto ou silêncio é pensado como efeito. A política é, hoje, não apenas uma disputa de ideias mas uma luta de formas, e Shakespeare sabia-o já no século XVI.

Em “Ricardo III”, não vemos apenas o retrato histórico de um usurpador: estamos perante um manual dramatúrgico sobre a fabricação simbólica do poder. Ricardo não governa por mérito nem por sucessão legítima, mas pela capacidade de cons­truir uma imagem, de controlar a narrativa e de manipular a emoção pública. Em vez de esconder os seus defeitos, dramatiza-os. Em vez de recuar perante o horror, teatraliza-o. É talvez o primeiro político moderno do teatro ocidental, e a peça é uma anatomia dessa lógica: mostra como a encenação se impõe à verdade, como o impacto performativo suplanta a legitimidade.

Como se fabrica uma aclamação? Como se instrumentaliza a piedade? Como se legitima um crime através de meios formais? A peça responde a tudo isso com lucidez e ironia. É difícil relê-la hoje sem evocar figuras como Donald Trump, Vladimir Putin ou André Ventura — líderes que transformam a política num teatro contínuo, sustentado pelo choque, pela retórica e pela manipulação da emoção.


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Dinis H. Machado

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