9 de dezembro de 2025

Recorte de Imprensa

 OPINIÃO 


Como lugar de exílio ou fuga não se arranjaria melhor. Às portas da Ásia, ali o dinheiro é fêmea. Reproduz-se


Foi com um tremor jubiloso e algum pesar invejoso que o povo português recebeu a notícia, ou atoarda, o que vai dar no mesmo nos dias que correm, de que o engenheiro Sócrates teria visitado Abu Dhabi e os Emirados um par de vezes. O tribunal suspeitou intento de fuga visto que o próprio não teria avisado o tribunal das saídas. Pergunta-se o que terá o tribunal a ver com visitas de carácter privado ao Golfo Pérsico que podem não passar do suave intento de um banho nas águas cálidas do Golfo. Dito Pérsico, e este Pérsico contribui logo com uma ideia de exotismo que é um programa. Pérsia, Pérsico.


Muitos portugueses escolhem o destino para as férias, embora dando preferência ao Dubai. E muitos o escolhem como destino profissional ou patrimonial visto que nos Emirados, e no Dubai, ninguém paga impostos. Legalmente, não é exigível. Isto é o mais perto do paraíso que se pode estar nos dias que correm.


Regressando a Abu Dhabi, devemos em primeiro lugar congratularmo-nos pela escolha sensata e providencial. Como lugar de exílio ou fuga não se arranjaria melhor. Não está muito longe, bem servido de aeroportos, às portas da Ásia, povoado por gente com muito dinheiro e muitos recursos e conexões, o que quer dizer que ali o dinheiro é fêmea. Reproduz-se. Ao contrário de Portugal, onde o dinheiro é macho. Abu Dhabi, pois. Como disse em tempos Scott Fitzgerald da Riviera Francesa, um lugar ao sol para gente sombria, se poderá dizer dos Emirados. Pessoalmente, nenhum destes epítetos ensombram a feliz escolha. Ou alegada escolha, porque tudo é muito alegadamente e presumivelmente inocente.


Convém, no entanto, estar preparado. É evidente que os Emirados não extraditam ninguém, porque se o fizessem ficavam sem dois terços da sua população de estrangeiros e residentes. Dito isto, e sendo um paraíso legal e fiscal, tem os seus contras.


Convém saber falar árabe, embora a língua franca seja o inglês. Mas é sempre desagradável estar numa sala onde toda a gente fala uma língua desconhecida quando se trata de decidir o nosso destino. Por exemplo, numa esquadra de polícia, caso se tenha sido apanhado em prevaricação. E a prevaricação são pequenos ilícitos, um consumo desmesurado de álcool, uma mão estendida para a mulher alheia, um desrespeito das regras islâmicas, uma condução perigosa, um desrespeito das regras locais, uma condução menos própria em espaço público. Tudo o que perturbe a ordem é mal vindo, e o dinheiro não cobre tudo. Convém por isso levar uma mulher, esposa, noiva ou namorada, ou amiga, em vez de arranjar uma in loco, porque nunca se sabe se não será parente afastada da família real. A postura em face das mulheres locais deverá ser a mais distante e respeitosa possível. Os xeques não brincam.


No Dubai, as regras são ligeiramente mais soltas, e até a malfadada palavra Mukhabarat, polícia ou polícia secreta ou polícia política, ali perde o sentido maligno. Al Muraqabbat é apenas um distrito do Dubai, aliás bastante bom em conexões comerciais e residenciais. E não, não é a Ericeira.


As conexões são a chave de uma existência plácida. A suportar as conexões deve estar uma sólida conta bancária, mesmo muito sólida, um milhão não basta, e dez não é exagerado, e uma aparência de dinheiro e de gostos endinheirados. Que quer isto dizer? Que os portugueses não estão exatamente na mesma liga pecuniária de, por exemplo, os oligarcas russos ou africanos. Ou jogadores de futebol de grande gabarito. Tipo Beckham ou Ronaldo. Muita massa. Muito poder social. Ora nestes territórios o engenheiro poderia sentir-se em desvantagem, poderia ser menos rico, o que não quer dizer mais pobre. A não ser que ao deslocar-se para o território pretendesse viver de mais do que a sua magra pensão ou de empréstimos de amigos. E não vale levar um amigo atrás com uma mala de dinheiro para pagar as contas, não funciona assim. Necessário seria pelo menos um cartão Platinum. De uma conta em dólares, o euro não tem prestígio.

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