19 de agosto de 2025

Recorte do Expresso

 



A sobrevivência da Ucrânia exige valores partilhados. O realismo até pode indicar o que fazer quando chegarmos ao nosso destino, mas são os nossos valores que traçam o caminho


Duff Cooper publicou a sua biografia de Talleyrand em 1932, entre duas guerras que ainda afligem a memória europeia. Era uma Europa que não esquecia Verdun e já pressentia a humilhação de Munique. Uma Europa que chorava o passado e temia o futuro. Uma Europa suspensa entre o orgulho e a ruína.

O livro não é apenas a narrativa de um homem. É espelho de sobrevivência, um tratado de paciência escrito por quem conhecia cada corredor da diplomacia e cada sombra dos salões de Paris. Cooper viu no bispo sem fé, no cortesão sem rei e no ministro sem escrúpulos uma lição amarga, mas necessária: a política externa raramente se guia por princípios incorruptos, ainda que dependa de valores comuns para impedir a catástrofe.

Essa permanência explica porque a obra resiste ao tempo. Não se limita a ser arquivo ou biografia: é um quadro vivo que expõe o apodrecimento do Antigo Regime, captura a vertigem da Revolução, revela a teatralidade de Napoleão e transporta-nos até Viena. Cooper não disfarça a sua simpatia pelo protagonista. Muitos chamaram-lhe traidor, mas ele insiste: sob a máscara do camaleão havia coerência. Moderar, reconciliar, conter os excessos que arruínam povos e impérios – eis o paradoxo que sustenta a grandeza do retrato. O aparente cínico era, afinal, o verdadeiro estratega.

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