Passaram-se oito dias sobre a aprovação da lei anti-imigrantes, também conhecida por lei da nacionalidade, e eu não dei por que Portugal tenha ficado mais português, como prometeu o ministro Leitão Amaro, e também não consegui experimentar essa sensação do inconfundível sangue lusitano a correr-me nas veias, conforme garantido pela deputada Cristina Rodrigues, do Chega. E, mais grave ainda: reparei apenas no ridículo, tristemente ridículo, de Luís Montenegro ter decidido falar à pátria para louvar os méritos da lei, enquadrado por oito bandeiras nacionais, ao melhor estilo das prestações cénicas trumpianas. Oxalá não seja um prenúncio do regresso aos tempos do patriotismo bandeirista da campanha do brasileiro Scolari no Europeu de Futebol de 2004, descobrindo-se depois que o empenho com que Scolari cantava o hino e incitava os bandeirantes só era igualado pelo empenho com que fugia ao Fisco. É preciso não confundir patriotismo com nacional-bandeirismo, nem bairrismo com provincianismo, ou cosmopolitismo com seguidismo pacóvio. É saudável e desejável ser-se bairrista, patriota e cosmopolita — tudo junto e nos tempos e circunstâncias adequadas. Pelo contrário, é provinciano, falsamente patriótico e saloio proclamar que se tem um sangue diferente, embrulhar-se na bandeira e no hino para mostrar amor à pátria e cumprir as ordens dos americanos para se ser convidado para a Casa Branca.
Eu, por exemplo, sou portuense, português e europeu, por ordem de filiação. Tenho o maior orgulho em ser natural do Porto, mas isso nunca me fez achar que, mais do que ser uma cidade notável, o Porto deveria ser também a capital de uma região político-administrativa num país dividido em bocados artificiais para satisfazer vaidades provincianas. Tenho um imenso reconhecimento em ser português, mas isso não faz com que ache que nem Portugal nem o sangue português têm igual no mundo inteiro: agradeço à língua em que falo e escrevo, agradeço à História que tivemos e de que me orgulho, mas não ignoro nem erros e crimes passados, nem defeitos estritamente portugueses de agora e de sempre. E sou europeu por convicção, por vontade e por cultura — sobretudo quando considero a minha Europa familiar, a Europa da civilização mediterrânica: a mais brilhante, a mais deslumbrante, a mais justa de que já tive notícia. Jamais trocaria Roma por Washington, a Andaluzia pelo Texas ou Lisboa por Helsínquia. Mas às vezes é conveniente reflectir sobre o lugar a que pertencemos.
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