RECORTE DE IMPRENSA
Era uma vez uma menina que durante seis anos viveu fechada entre quatro paredes, sem saber que existiam no mundo outras crianças como ela.
Os pais eram do PCP, viviam na clandestinidade política, e mudavam de casa muitas vezes. Mas sempre à noite. De cada vez que abandonavam uma morada, os brinquedos ficavam para trás.
A menina que não saia à rua
A mãe fez o parto em casa sozinha, “sem dor”, e ‘Nelinha’, como era tratada pelos pais, viveu os primeiros anos sem nunca sentir o sol na cara, privada de brincar com outros meninos e meninas e sem poder falar alto, para não chamar a atenção.
Ninguém podia suspeitar da sua existência. E a pequena apenas sabia que havia uns homens maus que andavam atrás dos pais. O medo morava sempre com ela.
‘Nelinha’ não via um palmo à frente e por isso demorou a aprender a andar, porque não tinha óculos adequados e não podia ir ao médico. Só quando os pais foram presos pela PIDE, a pequena soube finalmente os nomes dos progenitores.
Antes eram apenas “o pai” e “a mãe”. E a irmã mais nova, era chamada de “bebé.”
Nelinha esteve depois presa com a mãe uns meses, e foi mais tarde entregue aos avós, que desconhecia, e com eles passou a viver na aldeia do Couço, no Ribatejo.
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‘Nelinha’ não é uma personagem de ficção, é Manuela Canais Rocha, filha de Francisco Canais Rocha e Maria Rosalina Labaredas, atual professora de geografia, com 61 anos, que foi privada da sua infância.
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Cinquenta anos na história de um país não é muito, mas parece ser o suficiente para um certo apagamento ou branqueamento dos tantos horrores praticados durante o Estado Novo em Portugal.
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