7 de novembro de 2023

Pouca vergonha

Artigo de OPINIÃO 

TUDO A POUCA VERGONHA OUSA E FAZ 

Israel, pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Eli Cohen, disse que António Guterres deveria ter vergonha. Tudo porque o secretário-geral da ONU defendeu que todas as partes envolvidas no conflito em Gaza estão a cometer violações do direito internacional. Na rede social X, Cohen veio acusar o ex-primeiro-ministro português de não ter vergonha, perante os "mais de 30 menores - incluindo um bebé de nove meses, bem como de crianças que testemunharam o assassinato, a sangue frio, dos seus pais - que estão detidos contra a sua vontade na Faixa de Gaza". Será que o Governo israelita considera que, apesar de já ter transformado Gaza num cemitério a céu aberto (onde já se contam as mortes de 4.000 crianças), o grau de desgraça que se abateu, faz hoje precisamente um mês, sobre as localidades israelitas fronteiriças e instalações militares junto à Faixa, valida tais números? Infelizmente, quando ainda há gente refém do Hamas e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu invoca a Bíblia mais uma vez, para dizer que "até nas guerras mais justas há perdas civis involuntárias", já se percebeu que nem um, nem outro lado estarão a atingir aquilo a que se propuseram.

Num momento em que, de novo, os Estados Unidos mostram uma incapacidade em mediar este conflito - função que deveria ser deixada para outros Estados, entre os quais os da região -, achar-se que é realista bombardear indiscriminadamente a Faixa de Gaza, eliminar por completo o Hamas, provocar (de novo) milhares de refugiados e colocar a vulnerável Fatah à frente dos destinos de todos os palestinianos (a exemplo do que acontece na Cisjordânia, onde não consegue travar os colonatos israelitas e caiu em descrédito) soa a insistir nos mesmos erros que persistem desde 1948. Aliás, o plano delineado pela intelligentsia israelita, que vê, como solução mais viável, a retirada de palestinianos para Estados europeus, como Espanha, diz muito sobre a forma como ninguém está verdadeiramente a pensar num amanhã exequível, pacífico e duradouro. 

Muitos alertam que o Hamas (cujo o primeiro objetivo é o fim do Estado de Israel) só será derrotado quando milhões de pessoas da Faixa de Gaza, mas também da Cisjordânia, já não verem neste movimento uma forma de ter estabelecida a solução defendida pela ONU de um Estado palestiniano, previsto em tantas resoluções - ou seja, não continuarem a ver depender de um grupo nacionalista terrorista o âmago das suas expetativas. 

Há quem acredite que, a exemplo de outros conflitos no passado, este que já leva um mês poderá ser o início de um outro processo de paz na região, que traga uma solução mais próxima daquela que é defendida pela ONU, há tanto tempo. Mas, e haverá depois alguém que não tenha vergonha pelos meios, entretanto, empenhados e a tragédia produzida neste "tempo de guerra", nos moldes como defende Netanyahu?


Nuno Miguel Ropio

Visão do Dia - 07 Nov

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