A VELHICE PEDE DESCULPAS
Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras.
Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.
Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.
Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.
Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.
Cecília Meireles, in 'Poemas'
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