25 de agosto de 2024

Dói-me a cabeça



Esquisito 

Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.

Não é hábito. É rarissimamente que ela dói.


Ninguém tem culpa.

Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos,

não existe mais o modo

de eles terem seus olhos sobre mim.


Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos?

É dentro de mim que eles estão.

Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.

Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa,

que abunda nos cemitérios.


Quem plantou foi o vento, a água da chuva.

Quem vai matar é o sol.

Passou finados não fui lá, aniversário também não.

Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?

É de tanto lembrá-los que eu não vou.


Ôôôô pai

Ôôôô mãe

Dentro de mim eles respondem

tenazes e duros,

porque o zelo do espírito é sem meiguices:

Ôôôôi fia.


Adélia Prado, 

Poesia reunida

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