29 de agosto de 2024

Liberdade (F. Pessoa)

 


Ai que prazer 
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler 
E não o fazer!

Ler é maçada, 
Estudar é nada. 
O sol doira 
Sem literatura. 
O rio corre, bem ou mal, 
Sem edição original. 
E a brisa, essa, 
De tão naturalmente matinal, 
Como tem tempo não tem pressa...


Livros são papéis pintados com tinta. 
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma, 
Esperar por D. Sebastião, 
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças... 
Mas o melhor do mundo são as crianças, 
Flores, música, o luar, e o sol, que peca 
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto 
É Jesus Cristo, 
Que não sabia nada de finanças 
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa 
Poesia do Eu.

Sem comentários: