4 de março de 2024

Acutilante escritor



Os mortos

Não há mortos que morram tanto como os nossos.

Se um daqueles que nos pertence morre sete

ou setenta vezes no coração,

de quem apenas ouvimos falar morre uma vez, na sua data,

e os que sempre viveram longe

morrem-nos metade ou um oitavo. E metade

de uma morte é quase nada, são casas

decimais no sofrimento. (Que digo? Milésimas, milésimas!)

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OS GRUPOS

Mas é estranho isto, e receio o que a vida vai

Fazendo de mim sem a minha autorização.

Com 18 anos adorava mesas grandes, divertia-me,

Via no grupo movimentos e excitações a que

Não chegava sozinho. Como se a alegria entre

Vinte pessoas fosse uma língua que um ser vivo

Isolado não conseguisse formular.

Não morrerei ignorando essa língua, mas agora

Fujo dela: cinco pessoas numa mesa assustam-me

Como um assalto: dá-me!, sinto que me dizem,

E a expectativa dos outros em relação à minha frase,

Ao meu silêncio ou à minha imobilidade,

Encosta o seu frio à minha camisa,

Como o punhal discreto de um bom assaltante.

Não gosto de grupos, de aglomerações intermédias

Entre a amizade e o exército. A amizade faz-se de um

Para um, por vezes de dois para um; em matéria de sinceridade

O número quatro assusta-me.


Gonçalo M. Tavares 


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