Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
Velha, grande, tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como ao do meu aconchego.
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo,
cercada De montes e de oliveiras
Do vento soão queimada,
(Lá vem o vento soão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
***
***
Vento soão!, obrigado
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado,
Sem eu sonhar, me chegava!
E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que eu vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.
José Régio
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