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Mas não esqueci tudo.
Guardei a memória da treva, do medo espavorido do homem da caverna
que me fazia gritar quando era menino e me apagavam a luz;
guardei a memória da fome;
da fome de todos os bichos de todas as eras, que
me fez estender os lábios sôfregos para mamar
quando cheguei ao mundo;
guardei a memória do amor,
dessa segunda fome de todos os bichos de todas as eras,
que me fez desejar a mulher do próximo e do distante;
guardei a memória do infinito, daquele tempo sem tempo,
origem de todos os tempos, em que assisti, disperso, fragmentado, pulverizado,
à formação do Universo.
Tudo se passou defronte de partes de mim.
E aqui estou eu feito carne para o demonstrar,
porque os átomos da minha carne não foram
fabricados de propósito para mim.
Já cá estavam.
Estão.
E estarão."
António Gedeão 💜
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