6 de novembro de 2023

OPINA Tiago Freire, editor da EXAME

 Fonte: Visão do Dia

ESTILHAÇOS E TIROS NOS PÉS

Começa hoje a Semana Internacional da Ciência e da Paz, num momento em que a credibilidade da primeira é questionada e a pura existência da segunda é negada todos os dias. 

Enquanto pessoas bem intencionadas são olhadas de lado, a guerra prossegue, e os mortos e feridos caem, todas as horas. Este fim de semana, conhecemos dados pressentidos mas agora apresentados com a frieza dos gráficos: morreram mais crianças em menos de um mês de conflito na Faixa de Gaza do que em 19 meses de guerra na Ucrânia. Uma vida é uma vida, sabemos isso (será que sabemos?), mas a vida de uma criança é, de alguma forma, mais do que isso. Pela inocência, pela vulnerabilidade, por de certa forma haver um pacto social que nos diz que é tarefa de todos, em todas as sociedades, cuidar delas, mantê-las seguras. Uma vida é uma vida, seja ucraniana, russa, palestiniana, israelita ou portuguesa. Devia ser assim, mas sabemos que as nossas afinidades - muitas vezes inconscientes - ditam outra coisa.

Enquanto o horror e as explosões rebentam lá longe, por cá há quem se entretenha a dar tiros nos pés e a levar com os estilhaços de investidas mal pensadas (e já nem falo do PCP sobre a Ucrânia, porque já não vale a pena). Agora foi o Presidente da República, cujas declarações infelizes e mal medidas durante a sua visita ao inócuo Bazar Diplomático, na sexta-feira, o levaram a um fim de semana a tentar minimizar os estragos feitos. Aí, Marcelo Rebelo de Sousa parece estar a culpar um dos lados pela carnificina em Israel e em Gaza. A frase "desta vez foi alguém do vosso lado que começou" não está errada, mas proferi-la foi um disparate, até pelo contexto (ou falta dele) em que aconteceu. 

Marcelo é um Presidente popular e, se lida bem com críticas de agentes políticos, o mesmo não acontece quando sente que é a rua, as pessoas, quem estão contra si. Talvez por isso decidiu dar ontem outro tiro no pé e ir falar com manifestantes pró-Palestina, que estavam em frente ao Palácio de Belém. Os ânimos aqueceram, e o que fica para a História desse momento é um Presidente deslocado e até despropositado. As imagens dizem tudo e não são agradáveis. Marcelo, que tanto gosta de falar, devia saber que não se consegue falar com quem não quer ouvir, e o contexto era exatamente esse, resistindo ao seu natural charme pessoal.   

No terreno, Israel intensificou as suas ações em Gaza e terá conseguido dividir o território em dois, separando o norte e o sul. Segundo alguns relatos, os bombardeamentos da última noite foram os mais intensos desde o início da guerra. Nas últimas horas, os líderes das principais agências da ONU, como a Unicef ou o Programa Alimentar Mundial, divulgaram um comunicado conjunto pedindo um "cessar-fogo humanitário imediato". 

A tal Semana Internacional para a Ciência e a Paz celebra-se todos os anos na semana em que cai o 11 de novembro, Dia do Armistício da Grande Guerra de 1914-18, e pretende reforçar o papel da ciência e, sobretudo, da cooperação científica internacional, como ferramenta para a concórdia.  

No fundo, parte da mesma convicção de que a cooperação, o comércio e o conhecimento nos ajudam a ficar mais próximos do outro, e como tal menos propensos para lhe atirar um obus para cima. Só não contámos com uma coisa: a nossa queda para a violência e para a estupidez.

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