29 de outubro de 2024

Desistência

 







Deixo-me assolar por medos, desassossegos,

silêncios velhos, perguntas sem resposta; 

tenho anseios de voo 

e uma tontura, um enjoo,

que me prende ao chão e trava.


Nada me diverte ou me dispersa.

Nem esta espécie de força, a dizer-se gasta,

que me sustenta;

nem esta imitação de troça estéril, 

em nós de água na garganta,

que, num esmagamento pesado, certo, 

me fere, me entontece e arrasta;

nem este desalento surdo, feito uma pasta,

colado, virado contra mim, que me alimenta.


Que é feito desse animal, ferido de morte,

que me escoiceava, em cegueiras de justiça?

Espectadora de mim, a desfazer-me, já não sei

se o que mais dói é estar dormente.


Esboço o sorriso idiota de quem não pensa, 

a atitude de quem não mais se interessa, 

que nova batalha perdida é indiferente, 

tudo é tão mau quanto foi noutra qualquer altura, 

solto um suspiro, engulo em seco, aperto a boca

e sento-me para trás em desistência.


Lisboa, 28, Julho, 1980


Margarida Faro 

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