No início deste século, o então ministro da Administração Interna, Nuno Severiano Teixeira, terá chegado a reunir com os responsáveis dos três canais generalistas (RTP, SIC e TVI) para tentar promover um acordo para regular ou moderar a cobertura dos incêndios. As chamas, quase sempre a bailar sobre o manto negro da noite, enchiam longos segmentos dos telejornais em horário nobre, proporcionando um espetáculo simultaneamente belo e terrífico, que fascinava, prendia a atenção do espectador, e muitas vezes levava a impulsos de imitação, que, nos dias e semanas seguintes, prolongavam e estendiam os dramas vividos por populações e territórios. Não houve entendimento entre governo e redações; e, nos anos seguintes, quando o debate se repetiu, também nunca se chegou a conclusões. Mais recentemente, porém, as coisas parece terem mudado (um pouco). Com o trágico incêndio de Pedrogão Grande de 2017, sobreveio aparente sensibilidade, sensatez e responsabilidade. Em 2024, a cobertura dos incêndios pelas TV foi feita – salvo raras exceções – com planos fechados, mais pessoas, menos chamas, e a presença de especialistas (a sério) daquela área. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) chegou a emitir um conjunto de recomendações aos jornalistas "de fogos", que foram genericamente respeitadas. A morte de Odair Moniz na cova da Moura atingido pelos tiros de um agente da PSP foi rastilho para novo incêndio. As chamas, desta vez, não queimaram em hectares, mas entre uma floresta de prédios, na área metropolitana de Lisboa. Ao invés do eucalipto e do pinheiro, arderam caixotes do lixo, vidrões e veículos automóveis.
Talvez pela diferença, as recomendações tenham ficado na gaveta, assim como qualquer sensibilidade, sensatez e responsabilidade na cobertura dos acontecimentos. Durante, pelo menos, seis dias todas as televisões (sem exceção) "acamparam" à porta dos bairros da Grande Lisboa à cata de caixotes do lixo em chamas, vidrões derretidos e carros a arder. O jornalista, pé de microfone, repetia o (pouco) que sabia, numa maratona de duas-três horas em círculo, que descrevia sempre a mesma imagem do foco de incêndio e dos vidros partidos que as câmaras tinham conseguido "caçar".
João Amaral Santos VISÃO DO DIA |
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