24 de outubro de 2024

Fragilidade da criatura (poesia)

 


Começo


Magoei os pés no chão onde nasci.

Cilícios de raivosa hostilidade

Abriram golpes na fragilidade

De criatura

Que não pude deixar de ser um dia.

Com lágrimas de pasmo e de amargura

Paguei à terra o pão que lhe pedia.


Comprei a consciência de que sou

Homem de trocas com a natureza.

Fera sentada à mesa

Depois de ter escoado o coração

Na incerteza

De comer o suor que semeou,

Varejou,

E, dobrada de lírica tristeza,

Carregou.


Miguel Torga 

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