3 de outubro de 2024

Restos de cor (poesia)



Esta manhã que entra pela janela, 

com o frio que sobrou da noite 

e o cinzento que vai ficar para o dia, 

é fabricada com pedaços de tempo, 

restos de cor, estilhaços de memória, 

que vou colando na superfície branca da alma.


Por vezes, um pássaro esquecido do verão 

entra pela sala vazia, agita o espaço abstracto

com o seu voo inquieto, acordando a música

que um tecto de nuvens sufoca 

e leva consigo a perfeição do instante 

que as suas asas inventam.


Comparo o pássaro e a manhã, 

sabendo que a tarde me irá cobrir 

com a sua túnica de sombra; 

e colo aos ombros a luz 

que essa imagem me abre, 

tão breve como um rosa matinal 

que o outono colhe no caule do amor.


Nuno Júdice,

in "O Fruto da Gramática"

Sem comentários: