3 de outubro de 2024

Tenho medo da vida, minha mãe



"Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo 

Tenho medo da vida, minha mãe. 

Canta a doce cantiga que cantavas 

Quando eu corria doido ao teu regaço 

Com medo dos fantasmas do telhado. 

Nina o meu sono cheio de inquietude 

Batendo de levinho no meu braço 

Que estou com muito medo, minha mãe.

Repousa a luz amiga dos teus olhos 

Nos meus olhos sem luz e sem repouso 

Dize à dor que me espera eternamente 

Para ir embora. 

Expulsa a angústia imensa 

Do meu ser que não quer e que não pode 

Dá-me um beijo na fronte dolorida 

Que ela arde de febre, minha mãe.


Aninha-me em teu colo como outrora 

Dize-me bem baixo assim: - Filho, não temas

Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.

Dorme. Os que de há muito te esperavam

Cansados já se foram para longe. 

Perto de ti está tua mãezinha 

Teu irmão, que o estudo adormeceu 

Tuas irmãs pisando de levinho 

Para não despertar o sono teu. 

Dorme, meu filho, dorme no meu peito 

Sonha a felicidade. Velo eu.


Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo 

Me apavora a renúncia. Dize que eu fique 

Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.

Afugenta este espaço que me prende 

Afugenta o infinito que me chama 

Que eu estou com muito medo, minha mãe."


Vinicius de Moraes 

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